De sacos de laranja à 215 bilhões na economia: 60 anos da conquista do 13º salário

A lei 4090, que garante o pagamento do 13º aos trabalhadores, de 13 de julho de 1962, “esconde uma série de batalhas travadas entre patrões e operários ainda na década de 1950”. É o que conclui a historiadora Larissa Rosa Corrêa no artigo “Abono de natal: gorjeta, prêmio ou direito? Trabalhadores têxteis e a justiça do trabalho”[1].

Elaborada pelo deputado Aarão Steinbruch, do antigo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB)[2] de Jango e Vargas, a lei teve apoio dos sindicatos e precisou de greves, manifestações e petições ao Congresso Nacional para se tornar uma realidade a todos os trabalhadores e trabalhadoras do país.

O abono de Natal já existia na convenção coletiva de algumas categorias, mas até julho de 1962 não era um direito nacional previsto em Lei.

Naquela época o Brasil passava por uma acelerada transição de um perfil predominantemente rural para um país urbanizado, e os trabalhadores, com as bases de suas organizações consolidadas, já viviam sob a cobertura da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) há quase 20 anos. Isso faz diferença uma vez que expressa uma classe operária com alguma experiência, consciente da sua importância, que pleiteava direitos que iam além da mera sobrevivência, diferente do que ocorreu na greve geral de 1917, por exemplo.

Sacos de laranjas e cortes de tecidos

As batalhas travadas a que Larissa se refere vão ainda mais longe na história. Elas remontam à pelo menos a década de 1940, conforme deixa claro o depoimento do líder têxtil Antônio Chamorro, descrito por Larissa.

Em depoimento ao Centro de Memória Sindical, Chamorro lembra que quando era operário numa fábrica têxtil participou de uma ação, em 1946, onde os trabalhadores, ao reivindicarem a gratificação natalina, foram contemplados com sacos de laranja.

Aquilo demonstrava todo o desrespeito que os patrões tinham com os trabalhadores, mas eles não desistiram. No Natal seguinte, propuseram cortes de tecido no lugar das laranjas, recebendo então tecidos de “má qualidade” e quentes para o fim do ano. “Mesmo assim, os funcionários da fábrica resolveram aceitar”, conta ela. Para a historiadora, aquelas eram formas de os trabalhadores aproveitarem “brechas” para obter conquistas que, afinal, eram justas. “O empregador cedeu uma vez; na próxima ele não teve argumentos para não fornecer o beneficio novamente, e, desta vez, a gratificação teria que ser melhor, e assim por diante”.

Mais do que o tecido ou as laranjas, tratava-se do início de uma negociação maior. E, quando se iniciou a década de 1960, a campanha pelo abono de Natal já estava forte.

A greve de dezembro de 1961

A campanha ganhava a adesão dos trabalhadores de um setor que crescia de vento em popa no bojo da política desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek: os metalúrgicos.

Também em depoimento ao Centro de Memória Sindical, o metalúrgico Afonso Delellis disse que este processo, marcado por uma grande e violenta greve pela aprovação da Lei 4090, foi o resultado de oito anos de luta, uma vez que “o abono de Natal tinha constado das listas de reivindicações nos dissídios coletivos e sido pauta nas assembleias dos sindicatos”. Segundo Delellis, os trabalhadores tinham consciência de que a gratificação jamais seria fruto das negociações com os patrões e muito menos de uma decisão da Justiça do Trabalho”. Era preciso lutar.

Neste sentido, pode-se dizer que a ocorrência de uma greve nacional foi um desdobramento natural e inevitável das tensões do momento. E ela eclodiu pouco antes do Natal de 1961, no dia 13 de dezembro, com apenas três meses de vigência do governo de João Goulart. Foi uma greve dura com cerca de 6 mil trabalhadores detidos.

Ao fim, a aprovação do projeto de Steinbruch ocorreu com base em negociações diretas com o presidente, intermediadas pela CNTI (Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria), entidade sindical comandada, à época, por sindicalistas filiados ao PTB e ao Partido Comunista Brasileiro (PCB).

Vale ressaltar aqui a contribuição de Clodesmidt Riani, vice-presidente da entidade, que já cultivava uma boa relação com Goulart desde a década de 1950.

Finalmente, a classe operária havia conquistado legalmente o 13º salário.