Para entender o Fundo de Garantia; por Clovis Scherer

A recente declaração do Ministro do Trabalho, Luís Marinho, de que o governo pretende rever o saque aniversário do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, o FGTS, ganhou destaque na imprensa e na opinião pública. A discussão desse assunto merece a atenção dos trabalhadores e convém esclarecer aspectos fundamentais do Fundo de Garantia.

Na defesa do saque aniversário, é comum se ouvir dizer que o dinheiro depositado nas contas dos trabalhadores fica parado no FGTS. Isso não é correto porque esse dinheiro, que hoje soma quase R$ 500 bilhões, é continuamente aplicado na construção de moradias populares, no saneamento, no transporte coletivo e em outras obras de infraestrutura. Só em 2021 foram feitos 354 mil contratos de financiamento para a construção de 390 mil unidades habitacionais no valor de quase R$ 50 bilhões. O Fundo também concedeu descontos de R$ 7,3 bilhões para famílias de baixa renda conseguirem comprar a casa própria barateando a entrada e as prestações.

Como os empréstimos com recursos do Fundo são de interesse social, os juros e correção cobrados dos mutuários são menores do que o vigente no mercado. Por exemplo, no financiamento habitacional para famílias de baixa renda a taxa é de 6,36% ao ano e não passa de 8,16% para trabalhadores cotistas do Fundo com renda elevada.

O FGTS vem sendo, desde 2019, praticamente a única fonte de crédito para a casa própria popular. Isso porque o governo anterior cortou a zero os recursos do orçamento da União que mantinham o Minha Casa Minha Vida. É um instrumento para combater o atual déficit habitacional de 6 milhões de moradias no país.

Além do seu papel social, os recursos do Fundo geraram 2,4 milhões de empregos em 2021, segundo estimativas da Caixa Econômica. Empregos no setor da construção civil, mas também nas indústrias de materiais, prestadores de serviços e muitos outros que são movimentados a partir dos gastos em habitação e infraestrutura.

Outra ideia a ser afastada é de que, para o trabalhador, o FGTS é uma má aplicação financeira. Desde 2016, quando começou a ser distribuído o resultado do Fundo, as contas têm tido rendimento acima da inflação, com exceção de 2021 quando houve um pico inflacionário. E o Fundo vem batendo a poupança sistematicamente desde 2018. Dificilmente o trabalhador teria onde aplicar uma pequena poupança com melhor retorno. É válido buscar meios de melhorar esse rendimento, mas não se pode ignorar os avanços nessa questão.

Por fim, muitos argumentam que o trabalhador deveria poder decidir, individualmente, o destino do dinheiro depositado na sua conta vinculada. Porém, dado o baixo nível dos nossos salários, a decisão fatalmente seria de usar o FGTS para as necessidades de consumo imediato. Com isso, a poupança que foi criada como uma proteção para o momento de perda da renda pela demissão deixaria de existir e também acabaria o financiamento da habitação popular a custos acessíveis aos trabalhadores.

Enfim, ao se discutir aperfeiçoamentos no FGTS é preciso entender que ele cumpre uma função de proteção contra as vicissitudes da vida laboral, proporciona rendimentos razoáveis para uma aplicação popular e gera efeitos sociais e econômicos mais amplos que são de interesse da classe trabalhadora.

Clovis Scherer, economista do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos)